PARCELAMENTO DO SOLO
18/05/2010
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Parcelamento do solo urbano ” questões polêmicas
O parcelamento do solo urbano é disciplinado pela lei 6.766 de 1979, no entanto, o uso e a forma de ocupação são disciplinados pelo plano diretor ou por lei municipal.
Parcelamento do solo urbano ” questões polêmicas
Mari Lúcia Carraro*
Palestra proferida no XI Seminário de Direito Notarial e Registral de São Paulo, realizado no dia 21 de abril de 2007, em Ribeirão Preto, SP, pelo Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, IRIB, Colégio Notarial do Brasil, seção de São Paulo, CNB-SP, e Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo, ARISP, com apoio da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo.
Vamos falar sobre algumas questões relativas ao parcelamento do solo urbano relacionadas à prática do registro de imóveis.
O parcelamento do solo urbano é disciplinado pela lei 6.766 de 1979, no entanto, o uso e a forma de ocupação são disciplinados pelo plano diretor ou por lei municipal.
O parcelamento do solo para fins urbanos só é admitido em zonas urbanas, zonas de expansão urbana ou em casos específicos de urbanização especial.
A lei que previa o parcelamento do solo disciplinou duas formas: o parcelamento do solo poderá se dar por forma de loteamento ou desmembramento. O loteamento dá-se se houver subdivisão de uma gleba em lotes destinados à edificação e, por ocasião desse parcelamento, houver aberturas de novas vias de circulação ou modificação das já existentes. Também é objetivo do desmembramento a subdivisão de uma gleba em lotes destinados à edificação, no entanto, no desmembramento não pode haver prolongamento, modificação ou abertura de vias de circulação.
Inúmeras situações surgem no dia-a-dia do registro de imóveis que não se apresentam sob a forma de desmembramento ou loteamento, conforme a lei conceituou. Às vezes, não temos previsão específica a respeito desses casos em normas de serviço, em decisões e muito menos em leis.
Parcelamento de imóvel rural localizado em zona de expansão urbana
Exemplificaremos o parcelamento de um imóvel identificado como rural, localizado em região de expansão urbana, ou seja, sob a tutela do poder municipal, mas cujo traçado apresentado na planta do imóvel e no memorial descritivo indica a presença de futuros parcelamentos das glebas.
Esse desmembramento apresentado a registro é de fase embrionária, uma vez que está claro que haverá novos parcelamentos para atender aos requisitos da lei, qual seja, a subdivisão em lotes destinados à edificação.
Os proprietários que fazem esse tipo de desmembramento acabam por manter o imóvel com produção agrícola ou pecuária, enquanto não for aprovado o parcelamento subseqüente por lotes ou condomínio de casas.
Como esses casos estão previstos nos artigos primeiro e 12 da lei 6.766, há de se exigir aprovação do município, muito embora não se tenha atendido a principal característica: a destinação à edificação. Essa aprovação se faz necessária pelo fato de o imóvel estar localizado dentro do território de expansão urbana, dentro de um espaço onde o município deve disciplinar a forma de ocupação.
A aprovação desse tipo de parcelamento pelo município quase sempre é apresentada no registro de imóveis e acompanhada de certidão de viabilidade emitida pelo município para implantação de futuros condomínios de casas ou loteamentos. Como acessório do principal, também se apresenta uma escritura de doação de áreas ao município, que sempre tem como objeto áreas cuja análise do traçado indicam futuras ou atuais vias de circulação, senão áreas destinadas à contenção de águas.
É nesse momento que o proprietário deve requerer a averbação da mudança da destinação do uso do solo de rural para urbano, conforme previsto no item 148, capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo.
Para essa averbação, que deve ser apresentada junto com o pedido de desmembramento, observamos que, se o imóvel estiver localizado em zona de expansão urbana e possuir o cadastro municipal, basta apresentar a comprovação de que comunicou o fato, ou seja, o pedido de desmembramento, a condição de que está alterando o uso do solo de rural para urbano, bem como o pedido de cancelamento ou pedido de alteração do cadastro CCIR junto ao Incra. Não há como fazer a averbação de alteração do uso do solo sem esse procedimento perante o Incra.
No entanto, se o imóvel estiver localizado em zona rural ou em zona de expansão urbana, mas ainda não possuir cadastro municipal, além do requerimento, o proprietário deverá apresentar a anuência do Incra e uma certidão emitida pelo município.
Às vezes, a aprovação do município não se apresenta em forma de certidão, mas mediante certidão de viabilidade do município, o que é necessário uma vez que, com aquele ato, o município aceitará o imóvel como de sua responsabilidade. Se estiver dentro da zona de expansão urbana, na verdade, ele tão-smente comunicará que conhece o imóvel e o reconhece como urbano. No caso de imóvel rural, apresenta-se lei específica integrando-o para a zona de expansão urbana ou ele é declarado rural, porém aceito como núcleo especial.
Diverso é o procedimento de desmembramento de um imóvel com destinação rural, localizado em zona de expansão urbana, em que o parcelamento pretendido não indica alteração do uso do solo. Se o imóvel estiver nessa situação, será utilizado o mesmo procedimento do desmembramento de imóvel rural. Cabe ao oficial do registro de imóveis solicitar à parte que apresente seu cadastro junto ao município, que também será lançado na matrícula. Nesse caso, a matrícula do imóvel conterá o CCIR, certificado de cadastro de imóvel rural e o cadastro municipal. Isso não está ligado à tributação, mas funciona apenas para efeitos de cadastro. Na matrícula, o cadastro municipal indicará que o imóvel está localizado em zona de expansão urbana e o município o reconhece. O CCIR constará da matrícula apenas para que o proprietário possa tomar financiamentos agrícolas.
De uma forma ou de outra, se apresentado ao registro de imóveis um pedido de desmembramento de imóvel nessas condições, convém que o proprietário requeira o desmembramento de forma específica e esclareça o caso, bem como declare se esse imóvel está ou não localizado em zona de expansão urbana.
Desmembramento sucessivo é possível
Outra situação freqüente no registro de imóveis é o desmembramento sucessivo, que em geral não é aceito em razão da falta de uma interpretação legal do que seja desmembramento sucessivo. Embora sem previsão específica na lei, trata-se de uma forma legal de parcelamento do solo, se submetido ao registro especial previsto no artigo 18 da lei 6.766.
O desmembramento sucessivo ocorre basicamente em duas situações:
a) se a área a ser parcelada tem origem em outro parcelamento, tenha o anterior sido submetido ou não ao registro especial; e
b) se a área é parcelada aos poucos, em unidades pequenas, por meio de averbações isoladas no decorrer do tempo.
O artigo primeiro da lei 6.766 dispõe que o parcelamento do solo para fins urbanos será regido por seus dispositivos. Dentre eles está o fatídico artigo 18, segundo o qual, “aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador deverá submetê-lo ao Registro Imobiliário dentro de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de caducidade da aprovação…”.
O item 150.4 das Normas de Serviço da CGJSP também impõe ao oficial registrador o dever de examinar os pedidos de desmembramento com a finalidade de evitar eventual artifício ao desvio dos requisitos do artigo 18, ou seja, se é necessário ou não o registro especial.
“150.4. Nos desmembramentos, o oficial, sempre com o propósito de obstar expedientes ou artifícios que visem a afastar a aplicação da lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, cuidará de examinar, com seu prudente critério e baseado em elementos de ordem objetiva, especialmente na quantidade de lotes parcelados, se se trata ou não de hipótese de incidência do registro especial. Na dúvida, submeterá o caso à apreciação do Juiz Corregedor Permanente.”
Vale consignar que o registro especial tem dois objetivos: proteger o interesse público e os futuros adquirentes, demonstrando a eles, mediante a apresentação de certidões, que o loteador é econômica e moralmente idôneo para implantar empreendimentos e vender os lotes.
A regra é esta: o registro especial deve ser feito em todos os casos de parcelamento, seja por loteamento, seja por desmembramento. A dispensa desse registro é uma exceção.
No que tange ao registro de imóveis, as normas de serviço da CGJSP disciplinam alguns casos de dispensa do registro especial. Um caso freqüente é o parcelamento que dá origem a um número pequeno de unidades imobiliárias. É justamente nesses casos que reside a dúvida. Fora os casos indicados nas normas de serviços, não existem requisitos específicos que determinem se é o caso de registro especial ou de dispensa dele.
Uma antiga decisão do TJ paulista sinalizava que haveria dispensa do registro especial para parcelamento do solo que desse origem a até dez unidades imobiliárias. No entanto, os indicadores que se sobressaem são pela obrigatoriedade do registro caso o desmembramento dê origem a áreas que possam ser subdivididas novamente, ou se uma área grande for parcelada aos poucos. Ou seja, naqueles casos em que, na matrícula, consta uma área grande com várias averbações de desmembramentos feitos no decorrer do tempo sem averbação de remanescentes.
Nem a origem em outro parcelamento, nem o fato de o parcelamento atual ser requerido pelo mesmo proprietário são elementos que caracterizem a obrigação do registro especial. Considerado o objetivo de proteção do interesse público, não importa se o parcelamento é requerido pelo proprietário que fez o anterior ou por um proprietário diferente.
Portanto, não é a origem ou a titularidade que configuram desrespeito às regras do registro especial, mas o uso do parcelamento para um número de unidades que poderão vir a dar origem a outras unidades. Em razão disso, a exigência de registro especial é excessiva se o imóvel parcelado der origem a unidades que não comportam mais novos desdobros, ou se o proprietário de uma área relativamente grande desmembrar uma parte com a qual cria uma nova unidade e a vende para terceiro. Passado algum tempo, solicita novo desmembramento da área que continua em seu nome, muitas vezes o próprio local de moradia. Nesse caso, convém observar a profissão da pessoa; se ele, como corretor de imóveis, tinha uma área de mil metros quadrados e subdividiu a gleba por duas vezes seguidas, fica implícito que sua atitude tem o claro intuito de reparcelá-la no futuro. No entanto, se demonstrado que houve necessidade e que sua profissão não diz respeito à comercialização de imóveis, não há por que exigir dessa pessoa o registro especial.
Outro caso comum no registro de imóveis é a área, em geral, de uma quadra, subdividida mediante averbações. Existem matrículas com mais de cem averbações de desdobros sem apuração de remanescente. A rigor, essa matrícula é o típico caso de desmembramento sucessivo, e a prática de qualquer ato depende da apuração do remanescente e do registro especial. Porém, mesmo casos como esses devem ser analisados em contexto mais amplo.
Caso típico e reiterado numa cidade vizinha a Ribeirão Preto é o registro de uma área, hoje quadras, cujo antigo proprietário foi vendendo em partes. À época, a prefeitura emitiu uma certidão de desmembramento, o que levou alguns proprietários ao registro, para averbar o desmembramento e registrar sua aquisição. Outros, no entanto, apesar de terem recebido a escritura do proprietário, até hoje não apareceram para registrá-la. Portanto, quase tudo foi vendido. O remanescente é de uma ou duas unidades, às vezes em cantos opostos da quadra.
Embora seja o típico caso de parcelamento que exige o registro especial, em situações como essa acabo por deferir o registro da escritura que hoje a pessoa traz ao registro de imóveis, mas cuja lavratura foi providenciada há tempos, desde que ela apresente uma planta de localização de todos os desmembramentos averbados na qual remanesçam poucas unidades. Não há por que exigir dessa pessoa o registro especial, pois é possível que o vendedor já seja falecido. Nesses casos, defiro o pedido baseado nos objetivos do registro especial: a proteção do interesse público e a proteção do adquirente. Nesse sentido, rendo homenagens a uma decisão da CGJSP, de 2006, que avaliou um caso em Piracicaba, cuja ementa diz: “Parcelamento sucessivo suscetível de caracterizar fraude à lei exige análise conjuntural, com atenção não só à cadeia de assentos, mas também à cadeia de domínio e ao lapso temporal entre as inscrições prediais feitas. Assim sendo, quando ausente uma razão urbanística, e quando ausente um dano eventual a adquirente, não há por que se exigir o registro especial, mesmo que seja em nome do antigo proprietário que já desmembrou outras vezes”.
Contrato-padrão depositado no RI deve dispor acerca da promessa de compra e venda
Outro ponto que sempre leva à discussão quando apresentado ao registro de imóveis refere-se aos contratos-padrão de venda de lotes.
O artigo 18 da lei 6.766 impõe ao loteador a obrigação de depositar no registro de imóveis, junto com o processo de registro do loteamento, o contrato-padrão de venda dos lotes. O item 171 das Normas de Serviço impõe ao oficial registrador o dever de avaliar as cláusulas desses contratos.
Primeiramente deve-se observar que a modalidade do negócio jurídico previsto na lei, que poderá ser celebrado pelo loteador com o futuro adquirente, é de compromisso de compra e venda. Assim, o contrato-padrão a ser depositado no registro de imóveis deve dispor acerca da promessa de venda.
Em razão da venda de lotes ser pública, o contrato de promessa de compra e venda classifica-se como contrato de adesão, devendo, portanto, considerar todos os direitos pertinentes ao consumidor assegurados em lei, especialmente o Código de Defesa do Consumidor.
Cabe ao oficial avaliar as cláusulas desse contrato, de modo a indeferi-lo, se ele contiver condições em desacordo com as previsões legais ou jurisprudência pacífica. Hoje, quase todos os adquirentes acabam firmando contrato de compra e venda com o empreendedor no momento da compra; no entanto, alguns ainda ficam com sua situação pendente. É para esses que o contrato-padrão arquivado no cartório vai servir.
Se, depois de registrado o loteamento e de arquivado o contrato-padrão, for apresentado ao registro de imóveis algum contrato de compra e venda que contenha cláusulas abusivas, o oficial não poderá entrar no mérito. O máximo que ele poderá fazer é certificar a parte de que aquele contrato possui cláusulas abusivas, uma vez que a nulidade das cláusulas, e não do negócio, é consagrada em nossa jurisprudência. Mesmo que as cláusulas abusivas estejam em negrito, letras maiúsculas, ou que a pessoa tenha declarado que leu individualmente o contrato, a nulidade é da cláusula e não do negócio jurídico, portanto prevalecem as cláusulas essenciais ao negócio.
As condições abusivas mais encontradas no contrato-padrão são: o percentual de restituição dos valores pagos em caso de rescisão de contrato de compra e venda; filiação obrigatória do adquirente a uma associação de moradores, que o obriga a pagar até manutenção de áreas públicas; cessão de direitos somente com a anuência do loteador, a quem se paga uma taxa de transferência ” oportunidade em que ele exige a quitação das parcelas anteriores e vencidas; taxa para elaboração de contrato; perda de benfeitorias feitas em eventual rescisão de contrato; indexação do saldo devedor por índices autorizados para instituições financeiras; constituição de arras; exclusão do princípio do pagamento do saldo a restituir ou do cômputo de um terço, que deverá ser observado em caso de cancelamento do compromisso de compra e venda.
A par dessa discussão, o loteador pode alienar um lote por outro instituto que não o do compromisso de compra e venda. Ele pode doar, permutar, dar em pagamento, vender com garantia hipotecária ou vender com alienação fiduciária. Não há vedação para o uso desses institutos na venda de um lote. O que é vedado é o uso desses institutos consagrados no contrato-padrão. Embora haja uma oferta pública, o contrato a ser celebrado entre o loteador e o adquirente é um contrato civil.
Obras de infra-estrutura: cronograma de obras e comunicação da não execução
Outra situação que deve ser observada, uma vez relacionada ao registro de um loteamento, é a comunicação do decurso do prazo para a execução das obras de infra-estrutura. Todo ato de aprovação de loteamento ou desmembramento é precedido de um ajuste de tempo e de condições necessárias para o loteador implantar as obras de infra-estrutura, bem como para indicar os lotes que porventura venham a garantir essa obrigação.
O cronograma de obras é documento obrigatório e deve fazer parte do processo de loteamento. Do registro do loteamento deve constar se houve ou não imóveis dados em garantia para execução da infra-estrutura e indicação do prazo de execução das obras. Se não feito no registro do loteamento, essas duas situações devem ser consignadas em averbação separada, mas na matrícula-mãe.
De acordo com o Item 170.2 das Normas de Serviço da CGJSP, cabe ao registro de imóveis comunicar ao município e ao Ministério Público se há decurso do prazo de registro sem apresentação do termo de quitação dessas obrigações; mas cabe ao município cobrar a eventual obrigação do loteador.
Uma vez não executado o loteamento na forma e prazo ajustados no cronograma, a lei prevê que o município poderá ” o correto seria deverá ” tomar a iniciativa de regularizar o loteamento, isto é, terminar as obras de infra-estrutura. O município tem mecanismos para isso, bem como deve receber as prestações devidas ao loteador e executar as garantias hipotecárias.
A responsabilidade por loteamentos sem as obras de infra-estrutura implantadas não deve recair tão-somente sobre o loteador, mas também sobre o poder público, que tem grande parcela de culpa nisso. Se o loteamento for regularizado pelo município, na falta de execução das obras, o título a ser levado ao registro de imóveis será o compromisso de compra e venda, e a ele será dado o caráter de transferência definitiva do imóvel.
Convém observar que, após a conclusão das obras, o município dá ao loteador o termo de quitação, o termo de recebimento do loteamento. Essa condição deve também fazer parte do processo de registro por meio de um termo de juntada ao processo físico do loteamento e uma averbação na matrícula-mãe, consignando que aquele empreendimento foi recebido pelo município, que o quitou em tal data.
Outra questão discutida no procedimento de registro de um loteamento diz respeito às restrições impostas pelo loteador ao uso de um lote. Geralmente elas são mais restritivas do que as restrições urbanísticas e dão uma característica especial ao empreendimento. As mais comuns são as de uso exclusivamente residencial do imóvel, área máxima de construção, percentual de ocupação do solo, vedação de desdobro do imóvel, vedação de fechamento frontal do terreno, etc. A forma de o loteador impor essas restrições ao imóvel é mencioná-las no memorial descritivo, no contrato individual ou no contrato-padrão. Em geral, as situações polêmicas que chegam ao registro de imóveis acontecem quando a pessoa resolve fazer o desdobro do imóvel, quando pretende aprovar um condomínio de salas comerciais, registrar um contrato de locação do imóvel para fins comerciais ou averbar a edificação de mais um prédio dentro de um mesmo terreno. Quase todas essas restrições sofrem modificações no decorrer do tempo em razão da mudança do comportamento humano bem como da existência de legislação autorizativa do poder público municipal. A sinalização da jurisprudência dá-se mais na manutenção das restrições impostas pelo loteador em detrimento das urbanísticas até que os proprietários renunciem. É uma das raras situações em que o interesse do particular sobrepõe-se ao interesse coletivo, em que uma norma contratual particular sobrepõe-se a uma norma pública.
No registro de imóveis, enquanto não for apresentada a ordem judicial determinando o afastamento das restrições ou o pedido firmado por todos os proprietários do loteamento, não é feito ato contrário à restrição existente.
Paliativamente, vejo que, no futuro, essas restrições poderiam ser impostas somente em loteamentos onde há uma reserva de lotes para uso comercial e de naturezas que venham fazer com que aquele loteamento ou bairro se torne auto-sustentável, bem como que permita o acesso a outras vias de grande circulação, como avenidas paralelas. Outra medida seria o enfrentamento desse problema pelo poder Judiciário cujo posicionamento pacífico levaria o registrador a fazer as averbações ou os atos requeridos pelos proprietários, considerando a prevalência das restrições urbanísticas.
Outro fato corrente no registro de imóveis é o pedido de averbação de reserva permanente do tipo “requeiro a averbação da reserva permanente sobre uma área urbana”, ou “requeiro averbação de reserva legal sobre uma área urbana”. Recentemente recebi dois termos emitidos pelo DEPRN, Departamento Estadual de Proteção dos Recursos Naturais, instituindo reserva legal sobre área urbana, com fundamento na lei 4.771. O pedido foi denegado porque, primeiro, a reserva legal só pode ser imposta sobre área rural; segundo, porque a reserva permanente acaba não ingressando no registro de imóveis uma vez tratar-se de restrições e obrigações sobre uma determinada região, ou seja, os imóveis localizados em determinada região são submetidos à obrigação de manutenção de florestas, que não têm previsão legal para acesso ao registro.
Todas as obrigações ambientais assumidas pelo loteador perante o município ou o Ministério Público, mesmo as obrigações legais, usualmente vêm representadas por um termo de compromisso. Da mesma forma, recebe as condições para aprovação e execução do empreendimento impostas pelo Graprohab; ambas devem fazer parte do processo de loteamento apresentado a registro que não é levado à matrícula do imóvel.
Sobra de áreas em loteamento
Feito o registro de um loteamento, é comum que o registrador receba o pedido de abertura de matrícula de uma área localizada dentro do loteamento, que não foi oferecida pelo loteador ao município, uma vez que ele entende que essa propriedade é dele. Isso ocorre quando da não observância do projeto no momento da execução ou quando o loteador faz o parcelamento sem prévia retificação da área da gleba.
Ao aprovar um projeto de loteamento, o loteador informa quais são os bens de sua propriedade que poderão ser alienados a terceiros ou deixados em seu nome, geralmente lotes ou áreas reservadas. O que remanesce, mesmo sem indicação específica feita pelo loteador, é público, e cabe ao município apurá-los ou mesmo dispor deles.
Uma medida preventiva, mas não saneadora do problema, é que, ao receber o processo para análise, o oficial do registro de imóveis some todas as áreas, lote por lote, praça por praça, áreas institucionais e área verdes, uma a uma, e verifique se essa soma confere com a indicada na planta. Geralmente há diferença. Nesses casos, solicitamos que o interessado aprove novamente o projeto perante o município, mas não no Graprohab, uma vez que as questões relativas ao adensamento populacional e às reservas de áreas verdes já foram analisadas pelo instituto. Dessa forma, o loteador apresenta a nova planta aprovada pelo município e faz um requerimento expresso solictando que a planta anterior, aprovada pelo Graprohab, faça parte do processo de registro.
Um ditado muito antigo diz: o prefeito faz a praça, o povo faz o caminho. As mudanças do comportamento humano levam à interpretação de uma norma segundo as necessidades do seu tempo. Por isso, a interferência do Judiciário se faz fundamental para o estabelecimento de parâmetros e limites à interpretação da norma existente.
*Mari Lúcia Carraro é registradora em Ribeirão Preto, SP.
Autor: Mari Lúcia Carraro
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