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Por Marcel Farah
Segundo Marcia Castro, demógrafa, primeira brasileira professora em Harvard, no departamento de saúde global e população, o Brasil poderia ter sido um exemplo mundial de controle e superação da pandemia, já que conta, como quase nenhum outro pais, com “uma rede de saúde pública que cobre 75% do país”.
Para ser exemplo, segundo Castro, as autoridades deveriam organizar uma campanha nacional, com foco na ação preventiva, os agentes de saúde poderiam ter sido acionados para identificar e isolar pessoas de comunidades carentes, além do que os sinais enviados para a população devem ser claros e não contraditórios. O oposto do que fez nosso governo.
Resultado, chegamos a mil mortes 24 dias após a primeira (17/03), 5 mil mortes 18 dias depois, 10 mil mortes 10 dias depois, 15 mil 8 dias (16/05) depois, 20 mil 5 dias depois e 30 mil 10 dias depois, em 01 de junho e agora chega a 75 mil mortos. Mesmo com a subnotificação dos casos, reconhecida por todos, são números alarmantes.
Mas, qual a origem política desse desastre?
O Brasil passou por uma inflexão política em 2016, o problema fiscal se sobrepôs aos problemas de saúde, e também de educação, cultura, transporte, emprego etc, a perspectiva neoliberal voltou a prevalecer.
Sem um sistema de saúde público e universal não haveria como enfrentar a pandemia e obter sucesso.
Mesmo com um sistema de saúde universal, não há como enfrentar a pandemia se o governo não fizer suas “tarefas de casa”. Logo, vivemos o pior dos cenários, o governo não só não faz o que deveria, como busca na pandemia o aprofundamento do caos.
Enquanto deputado federal, Bolsonaro disse que para mudar o Brasil era preciso uma “guerra civil”, “fazer o trabalho que o regime militar não fez: matando uns 30 mil”, e, “Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem, tudo quanto é guerra morre inocente.”
Apesar de proferido durante uma entrevista em 1999, a profecia do ultraconservador vem se realizando.
A postura omissa do governo federal frente a pandemia fez o Brasil ultrapassar a marca dos 30 mil mortos, e a guerra civil ocorre como uma guerra fria, de ameaça às instituições, tutela militar, subjulgo da Procuradoria Geral da República, e o extermínio crescente da população trabalhadora, pobre e negra, e a obstrução de qualquer alternativa a esquerda.
Quando candidato, Bolsonaro anunciou repetidas vezes ser contra as minorias, contra direitos trabalhistas, apoiado em um projeto neoliberal de privatizações, redução do estado e de sua capacidade de atender à população mais necessitada. Fez apologia ao armamentismo, defendeu o corporativismo nas forças armadas, a atuação assassina do estado por intermédio da violência policial e da atuação das milícias.
Já era sabido que um jovem negro poderia ser assassinado dentro de casa e levado pela polícia para local desconhecido da família, que só viria a descobrir seu paradeiro 17 horas depois, como ocorreu com João Pedro, de 14 anos, morto em São Gonçalo no Rio, e o governo não faria nada. Já era sabido que um músico negro poderia ser morto após ter o carro alvejado com 80 tiros dados por militares do exército, também no Rio, como ocorreu com Evaldo Rosa em 2019, e o governo não faria nada. Ou, que um jovem negro fosse asfixiado pelo segurança privado de um supermercado, como ocorreu com Pedro Gonzaga, que, assim como George Floyd, não pôde respirar, e o governo não faria nada.
Já se sabia que os programas sociais poderiam ser sucateados, que a valorização real do salário mínimo seria vetada, que os ministérios do esporte e da cultura seriam extintos, que o ministro do meio ambiente seria um ruralista, que os direitos previdenciários seriam drenados pelo bancos, que a Embraer seria vendida a preço de banana e que o pré-sal seria entregue de mão beijada.
Tudo se confirmou, e o eleitorado, principalmente a extrema direita, sorriu, disse “chega de mimimi” e afirmou, “acabou a mamata”, como no poema de Arnaldo Antunes.
Bolsonaro conquistou votos de descontentamento com “tudo que ai está”, prometendo combate à corrupção e a quebra das rodas do sistema. Típico populismo, com soluções fáceis que escondem sua própria origem. Ou ele não é cria do sistema que critica, com 28 anos de mandatos, e da corrupção, com inúmeros casos de desvio das finalidades do estado para benefício próprio e de sua família?
Entretanto, vivemos um possível momento de virada do jogo
O governo depende da guerra permanente para sobreviver, para esconder sua falta de razoabilidade e manter suas milícias de apoiadores ativas, e, essencialmente, para manter a esquerda fora do debate político.
Polarizando com falsos inimigos e adversários, promovendo uma guerra contra Sérgio Moro ou a imprensa, por exemplo, o presidente e a coalizão de governo impedem o fortalecimento e a expressão popular de um projeto antineoliberal. A imprensa corporativa é apoiadora do programa neoliberal do Governo Federal, por isso uma falsa inimiga da ultra direita. Até pouco tempo estavam do mesmo lado.
As manifestações antifascistas, articuladas principalmente por torcidas organizadas em defesa da democracia, podem reascender o debate de projetos, e conectar as causas do desastre que vivemos ao desmonte do estado.
No mesmo sentido, as críticas à formação de frentes amplas que incluam golpistas e todo tipo de direita não bolsonarista, como a que foi feita pelo ex-presidente Lula, contribuem para a definição do projeto que pode derrotar Bolsonaro e o neoliberalismo.
Portanto, essa é a encruzilhada do momento. O governo Bolsonaro quer uma guerra permanente. O ascenso das mobilizações de rua, mesmo limitadas pela necessidade de isolamento social, e a formação de uma frente de esquerda, alimentam essa guerra. Contudo, a grande diferença, é que agora o inimigo é real e pode, de fato, derrubar este governo (Bolsonaro e Mourão), suas políticas e desvelar a história que o permitiu existir.
Uma janela se abriu para o que pode ser o começo do fim do caos.
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